25.3.09

Flautista



Não consegui manter o plano original: passar reto, sem nem olhar. Sua cara, extremamente pronunciada por trás de dois dedos pousados - pensativos - sobre os lábios, pedia uma reação. Eu conhecia o flautista. E ele sabia. Ou não? Encarei o instrumento metálico em repouso junto ao seu peito e acenei com a cabeça, lacônico... Alguém que encontra um colega de todos os dias enquanto cruza um corredor.

Debaixo dos dreadlocks castanho-claro, sua testa mal se mexeu, mas os dois dedos se separaram sobre os lábios e formaram um "V". Simpático e displicente. O artista da Hamelin subterrânea, o flautista da estação de metrô, com sua caixinha de moedas e notas amassadas. Quando finalmente completei o trajeto para além daquela situação, me arrependi. Devia tê-lo fotografado. Quis me enganar, arrumando uma desculpa bonita - como a vergonha - para ficar em paz por não tê-lo feito.

Enquanto eu começava a pensar - On the Road style - sobre como aquele sujeito representava tudo o que eu já quis ser e ainda não sou - astronauta, escritor, Bruce Willis, etc. - o instrumento metálico voltou a tocar. O flautista voltou a soprar. E eu já não posso mais ser o mesmo.