14.10.10

Ciranda


[ficção (?) programada]


[Aí a dona das horas me fez virar criança, justo no dia em que se comemora a existência da infância. E escalei contornos, brinquei de esconde-esconde com dentes pronunciados, girei abraços, conjuguei lábios, declamei a tabuada das permanências silenciosas e soletrei aquilo que normalmente se demora pra dizer. Hoje acordei homem feito, confrontado pelos reflexos pesarosos dos espelhos, subjugado pelas obrigações de adulto, desfeito de sonhos, preguiças e manhas. Ah, mal sabe a realidade compenetrada que eu posso, quando quiser, falar a língua dos amigos imaginários que ela conjura estalando os dedos e comer do doce mais doce que ela cozinhou de brincadeira pra mim.]

2 comentários:

Anônimo disse...

[Olhei para essas palavras tantas vezes, de tantos jeitos, que posso lê-las ao contrário. Da contemplação surge um suspiro discreto, que escapa do peito lentamente e me faz fechar os olhos,

(justo nesse momento secreto onde quem me vê se cega com a expansão da minha alegria)

imune à existência enferrujada do cinza motor-matriz-engrenagem, do cansaço e da ignorância que brutaliza e transforma homens sãos em homens nãos.

Mas há ali o doce mais doce dos nossos pensamentos destinado ao menino, ao homem feito: a realidade nunca saberá como penetrar no contorno dos seus sonhos.]

Bruno Guerra disse...

Você é simplesmente linda.